Bernard Cornwell - Stonehenge

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Stonehenge [Bernard Cornwell]
STONEHENGE
4a EDIÇÃO
PLANETA EDITORA
Título original: Stonehenge
© 1999, by Bernard Cornwell
© Ilustrações by Rex Richolls
A ilustração do losango utilizada na capa e no início de cada capítulo, é uma
reprodução fiel de um dos três losangos de
ouro encontrados nas escavações de Bush
Barrow, Wiltshire, num dos túmulos encontrados perto do monumento de Stonehenge.
Reprodução permitida pelo
Devizes Museu (Wiltshire Archaeological and
Natural History Society)
Reservados todos os direitos desta obra para publicação em Portugal de acordo
com a legislação em vigor por:
PLANETA EDITORA, LDA.
Travessa do Noronha, 21-1. 1250-170 Lisboa Telefone: 213978756 Fax: 213951026
Apartado 2657 1117 Lisboa Codex Portugal
Tradução: Carmo Vasconcelos Romão
Revisão: Luís Milheiro
Capa: Estúdios Planeta, sobre ilustração de David Scutt Composição, impressão e
acabamento: Grafitexto, Lisboa
Depósito legal 155039/00 ISBN 972-731-101-6
Proibida a reprodução no todo ou em parte, por qualquer meio, sem prévia
autorização do editor
Em memória de Bill Moir 1943-1998
”Desapareceram os bosques dos druidas, tanto melhor: Stonehenge permaneceu mas
que diabo é aquilo?”
Lord Byron, Don Juan Canto XI, verso XXV.
PRIMEIRA PARTE
O Templo do Céu
(Os DEUSES FALAM POR SINAIS. PODE SER UMA FOLHA CAINDO NO VERÃO, o grito de um
animal
moribundo ou a ondulação feita pelo vento num lago. Pode ser o fumo junto ao
solo, uma abertura
nas nuvens ou o voo de uma ave.
Mas naquele dia os deuses enviaram uma tempestade. Foi uma tempestade enorme,
uma tempestade
que seria recordada, embora o povo não nomeasse o ano por essa tempestade. Pelo
contrário,
chamaram-lhe o Ano em que chegou o Forasteiro.
Isto porque um forasteiro chegou a Ratharryn no dia da tempestade. Era um dia de
Verão, o mesmo
em que Saban quase assassinou o seu meio-irmão.
Naquele dia os deuses não falaram. Gritaram.
Saban, como todas as crianças, andava nu no Verão. Tinha menos seis anos que o
seu meio-irmão,
Lengar, e como ainda não passara as provas da idade adulta, não tinha cicatrizes
tribais nem marcas
de morte. Mas as provas estavam apenas a um ano de distância e o pai instruíra
Lengar para que
levasse Saban à floresta e lhe ensinasse onde se encontravam os veados, onde se
escondiam os
javalis, onde ficavam as tocas dos lobos. Lengar ofendera-se com a tarefa,
portanto, em vez de
ensinar o irmão, arrastou-o por moitas de espinhos de modo a fazer sangrar a
pele do rapaz
queimada pelo sol.
Nunca te vais tornar um homem escarneceu Lengar.
Sensato, Saban nada disse.
Havia já cinco anos que Lengar era um homem, de modo que tinha no peito as
cicatrizes azuis da
tribo e nos braços as marcas de caçador. Trazia consigo um arco feito de teixo,
com pontas de osso
e uma corda de tendão bem esticada e untada com gordura de porco. Vestia uma
túnica de pele de
lobo e tinha o cabelo comprido entrançado, atado com uma fita de raposa. Era
alto, de rosto estreito,
sendo considerado um dos grandes caçadores da tribo. O seu nome significava
Olhos de Lobo, uma
vez que o seu olhar tinha uma tonalidade amarelada. Tinham-lhe dado um nome ao
nascer mas,
como muitos na tribo, recebera outro ao tornar-se adulto.
Saban também era alto e tinha longo cabelo negro. O seu nome significava
Favorito e na tribo
muitos pensavam que era adequado, já que apenas com doze Verões, Saban prometia
ser formoso.
Era forte e esguio, trabalhava muito e sorria quase sempre. Lengar raramente
sorria. ”Tem uma
sombra no rosto”, diziam dele as mulheres, apenas quando não as pudesse ouvir,
pois era provável
que Lengar viesse a ser o próximo chefe da tribo. Lengar e Saban eram filhos de
Hengall, e este o
chefe do povo de Ratharryn.
Durante todo aquele longo dia, Lengar levou Saban através da floresta. Não
encontraram veados,
javalis, lobos, auroques ou ursos. Limitaram-se a caminhar, tendo chegado à
tarde ao sopé da
colina, para ver que toda a terra a ocidente estava sombreada por uma massa de
nuvens negras. Os
relâmpagos riscavam o monte de nuvens escuras em direcção à floresta longínqua,
deixando o céu a
arder. Lengar acocorou-se, com uma mão no arco polido, observando a tempestade
que se
aproximava. Devia ter já iniciado o regresso a casa, mas queria assustar Saban,
de modo que fingiu
não estar preocupado com a tempestade, que era uma ameaça dos deuses.
Foi enquanto observavam a tempestade que chegou o forasteiro.
Montava um pequeno cavalo castanho, branco de suor. Como sela usava um cobertor
de lã dobrado
e as rédeas eram fios de fibra de urtiga, embora nem necessitasse delas, já que
estava ferido e
parecia cansado, deixando a sua pequena montada escolher o atalho que subia a
escarpa íngreme. O
forasteiro tinha a cabeça baixa e os calcanhares pendiam-lhe quase até ao chão.
Vestia uma capa de
lã tingida de azul e trazia um arco na mão direita, enquanto do ombro esquerdo
pendia-lhe uma
bolsa cheia de flechas ornamentadas de penas de gaivota e corvo. Usava uma barba
negra e curta, e
as marcas tribais do seu rosto eram cinzentas.
Lengar sussurrou a Saban que ficasse em silêncio, seguindo depois o forasteiro
para oriente. Lengar
tinha uma flecha metida no arco, mas o forasteiro nem uma só vez se voltou para
ver se estava a ser
seguido, de modo que Lengar contentou-se em deixar a flecha descansar na corda.
Saban gostaria
de saber se o cavaleiro ainda vivia, pois parecia um morto, inerte, atirado para
o lombo do cavalo.
O forasteiro era um Fronteiriço. Até Saban o sabia, pois apenas o Povo da
Fronteira montava
pequenos cavalos peludos e usava cicatrizes cinzentas no rosto. O Povo da
Fronteira era inimigo,
porém Lengar não soltou a flecha. Limitou-se a seguir o cavaleiro, levando Saban
atrás de si, até
que por fim o Fronteiriço chegou à beira das árvores onde cresciam fetos. Aí, o
forasteiro parou o
cavalo e ergueu a cabeça para olhar a suave elevação, enquanto Lengar e Saban se
acocoravam,
escondidos por trás dele.
O forasteiro olhou os fetos e mais ao longe o pasto, onde o solo era mais fino,
depois das
marcações. Havia túmulos espalhados pela crista baixa do terreno. Os porcos
comiam os fetos,
enquanto o gado preferia a terra de
pastagem. Aqui ainda havia sol. O forasteiro manteve-se muito tempo nos limites
do bosque, em
busca de inimigos, mas sem os ver. Para norte do sítio onde se encontrava, havia
campos de trigo
limitados por espinheiros, sobre os quais as primeiras nuvens, arautos da
tempestade, seguiam a sua
sombra; porém à sua frente havia sol. Havia vida diante de si e escuridão por
trás. O pequeno
cavalo, solto, agitou-se subitamente junto aos fetos. O cavaleiro deixou-se
levar.
O animal subiu a encosta suave até aos túmulos. Lengar e Saban esperaram até o
forasteiro
desaparecer no horizonte, depois seguiram e, chegando ao cimo, acocoraram-se
numa vala
funerária, para verem que o cavaleiro se tinha detido junto ao Velho Templo.
Ouviu-se o ribombar de um trovão e uma rajada de vento alisou a erva em que o
gado pastava. O
forasteiro escorregou de cima do cavalo, atravessou a enorme vala do Velho
Templo e desapareceu
no meio das frondosas aveleiras que cresciam dentro do recinto sagrado. Saban
percebeu que o
homem vinha em busca do santuário.
Mas Lengar estava atrás do Fronteiriço, e Lengar não era dado a piedade.
O cavalo abandonado, assustado pela trovoada e pelo gado, trotou para ocidente
da floresta. Lengar
esperou até que o cavalo desaparecesse por entre as árvores, levantou-se da vala
e correu em
direcção às aveleiras, para onde o forasteiro se dirigira.
Saban foi atrás, entrando onde nunca estivera nos seus doze anos de vida. No
Velho Templo.
Uma vez, há muitos anos, há tantos que ninguém vivo se lembrava desses tempos
antigos, o Velho
Templo fora o maior santuário da zona central. Nesses tempos, quando os homens
vinham de longe
para dançar no recinto do templo, a barreira de greda que o cercava era tão
branca que parecia
cintilar à luz da Lua. De um lado a outro do anel cintilante iam cem passos e,
nos tempos antigos
esse espaço sagrado fora percorrido pelos pés dos dançarinos que rodeavam a casa
dos mortos
formada por três anéis de troncos cortados de carvalho. Os troncos nus e macios
tinham sido
oleados com gordura animal e enfeitados com ramos de azevinho e hera.
Agora a barreira estava coberta de relva sufocada por ervas daninhas. Pequenas
aveleiras haviam
crescido na vala e outras invadido o enorme espaço dentro da barreira circular,
de modo que, à
distância, o templo parecia um bosque de pequenos arbustos. Os pássaros faziam
os ninhos onde
outrora os homens dançaram. Por cima do emaranhado de aveleiras, via-se ainda o
poste de
carvalho da casa dos mortos, mas este estava agora inclinado e a madeira,
outrora lisa, apresentavase
picada, negra e grossa devido aos fungos.
O templo fora abandonado, todavia os deuses não esquecem os seus santuários. Por
vezes, em dias
calmos quando a neblina se estende sobre as pastagens ou a lua cheia se mantém
imóvel sobre o
círculo de greda, as folhas das aveleiras estremecem como se o vento passasse
por elas. Os
dançarinos partiram, mas o poder ficou.
E agora o Fronteiriço entrara no templo.
Os deuses gritavam.
As sombras das nuvens engoliam a pastagem, enquanto Lengar e Saban corriam em
direcção ao
Velho Templo. Saban tinha frio e estava assustado. Lengar também estava receoso,
mas o Povo da
Fronteira era famoso pelas suas riquezas e a ganância de Lengar era superior ao
medo de entrar no
templo.
O forasteiro atravessara a vala e subira a barreira, mas Lengar dirigiu-se à
antiga entrada sul, onde
uma estreita vereda levava ao frondoso interior. Uma vez atravessada a vereda,
Lengar pôs-se de
gatas e rastejou por entre as aveleiras. Saban seguiu-o com relutância, sem
querer ficar sozinho na
pastagem quando estoirasse a ira do deus da tempestade.
Para surpresa de Lengar, o Velho Templo não estava completamente coberto de
arbustos, pois havia
um espaço limpo no local onde se situara a casa dos mortos. Alguém da tribo
deveria ainda visitar o
Velho Templo, porque as ervas daninhas foram arrancadas, a relva cortada com uma
faca e apenas
uma caveira de boi se encontrava aí, no local onde se sentava agora o
forasteiro, encostado à única
coluna que restava do templo. O rosto do homem estava pálido e tinha os olhos
fechados, mas o seu
peito subia e descia com a respiração difícil. Trazia uma fila de pedras negras
na parte interior do
pulso, apertadas por atilhos de couro.
Havia sangue nas suas calças de lã. O homem pousara o arco e a aljava das
flechas junto da caveira
do boi e agarrava agora um saco de couro junto ao ventre ferido. Havia três dias
que fora apanhado
numa emboscada, dentro da floresta. Não vira quem o atacara, apenas sentira uma
dor atroz,
resultante da lança que lhe atiraram, depois picara o cavalo e deixara que este
o levasse para fora de
perigo.
Vou buscar o pai murmurou Saban.
Não vais sussurrou Lengar, mas o ferido devia tê-los ouvido, pois abriu os olhos
e fez uma careta,
inclinando-se para diante, de modo a pegar no arco.
No entanto, o forasteiro estava mais lento devido à dor e Lengar foi muito mais
rápido. Largou o
arco saiu do esconderijo e correu pela casa dos mortos apanhando o arco do
forasteiro com uma
mão e a aljava com a outra. Com a pressa espalhou as flechas de modo que apenas
restava uma na
bolsa de couro.
O rolar dos trovões soou a ocidente. Saban estremeceu, temendo que o som
aumentasse, enchendo o
ar com a raiva do deus, mas o trovão afastou-se, deixando o céu mortalmente
calmo.
Sannas disse o forasteiro, acrescentando depois palavras numa língua que nem
Lengar, nem Saban
falavam.
Sannas? perguntou Lengar.
Sannas repetiu o homem ansioso. Sannas era a grande feiticeira de Cathallo,
famosa em toda a terra.
Saban calculou que o forasteiro quisesse ser tratado por ela.
Lengar sorriu.
Sannas não pertence ao nosso povo afirmou. Sannas vive a norte. O forasteiro não
compreendeu o
que Lengar disse.
Erek pronunciou e Saban, ainda escondido nos arbustos, perguntou a si próprio se
seria o seu nome,
ou talvez o nome do seu deus. Erek disse o ferido com maior firmeza, mas a
palavra nada
significava para Lengar, que retirara uma flecha da aljava do forasteiro e a
enfiava no arco. Este era
feito de tiras de madeira e chifre, coladas e ligadas com tendões; o povo a que
Lengar pertencia
nunca usara uma arma assim. Preferiam um arco mais longo, feito de teixo, de
modo que sentia
curiosidade por aquela estranha arma. Esticou a corda, experimentando-lhe a
força.
Erek! gritou muito alto o forasteiro.
És do Povo da Fronteira afirmou Lengar. Não tens nada a fazer aqui.
Esticou de novo o arco, surpreendido pela tensão de uma arma tão curta.
Traz-me um curandeiro. Traz-me Sannas disse o forasteiro na sua própria língua.
Se Sannas estivesse aqui afirmou Lengar, reconhecendo apenas o nome matava-a
primeiro. Cuspiu.
Isto é o que eu penso de Sannas. É uma vaca enrugada, uma semente do mal,
estrume de sapo feito
carne. Cuspiu de novo.
O forasteiro inclinou-se para diante e com dificuldade pegou nas flechas que
tinham caído da aljava,
formando com elas um pequeno feixe que segurou como uma faca, como se se
quisesse defender.
Traz-me um curandeiro implorou na sua língua. Os trovões rugiam a ocidente e as
folhas das
aveleiras estremeceram quando uma rajada de vento frio anunciou a tempestade. O
forasteiro olhou
de novo Lengar nos olhos e não viu neles piedade. Apenas a satisfação que Lengar
encontrava na
morte. Não, disse. Não, por favor.
Lengar soltou a flecha. Estava só a cinco passos do forasteiro e a pequena seta
atingiu o alvo com
força doentia, empurrando o homem para o lado. A flecha enterrou-se
profundamente, deixando
apenas a ver-se sobre o peito do forasteiro um palmo da sua haste, enfeitada com
penas pretas e
brancas.
Saban pensou que o Fronteiriço estava morto porque não se mexeu durante muito
tempo, mas
depois o feixe de setas que fizera cuidadosamente caiu-lhe da mão, quando se
esforçou por se
endireitar.
Por favor disse em voz baixa.
Lengar! Saban agitava-se nas aveleiras. Deixa-me ir buscar o pai.
Calado! Lengar retirara uma das suas flechas de penas negras da aljava e
colocara-a no arco curto.
Caminhou na direcção de Saban, apontando-lhe o arco, sorrindo ao ver o terror no
rosto do meioirmão.
O forasteiro olhava também para Saban, vendo um rapaz alto e bonito, com cabelo
negro
emaranhado, olhos ansiosos.
Sannas implorou o forasteiro a Saban, leva-me a Sannas.
Sannas não vive aqui disse Saban, entendendo apenas o nome da feiticeira.
Nós vivemos aqui anunciou Lengar, apontando agora uma flecha sua ao forasteiro.
És um
Fronteiriço, dos que roubam o nosso gado, escravizam as nossas mulheres e
enganam os nossos
mercadores.
Soltou a segunda flecha que, como a primeira, bateu no peito do forasteiro,
desta vez nas costelas
do lado direito. Mais uma vez o homem tombou para o lado e de novo se esforçou
por se endireitar
como se o seu espírito recusasse deixar-lhe o corpo ferido.
Posso dar-te poder disse, enquanto um fio de sangue borbulhante lhe escorria da
boca para a barba
curta. Poder murmurou.
Mas Lengar não entendia a língua do homem. Disparara duas flechas e mesmo assim
o homem
recusava-se a morrer, de modo que pegou no seu arco, colocou uma flecha na corda
e enfrentou o
forasteiro. Esticou para trás
a arma enorme.
O forasteiro abanou a cabeça, mas já conhecia o seu destino; olhou então Lengar
nos olhos para lhe
mostrar que não tinha medo de morrer. Amaldiçoou o seu assassino, embora
duvidasse que os
deuses o escutassem, pois era ladrão e fugitivo.
Lengar soltou a corda e a flecha de penas pretas enfiou-se no coração do
forasteiro. Deve ter
morrido imediatamente, porém tentara ainda erguer o corpo, como se quisesse
desviar-se da seta de
sílex; depois caiu, estremeceu enquanto lhe batia o coração e ficou imóvel.
Lengar cuspiu na mão direita, esfregando depois o cuspo no interior do pulso
esquerdo, onde o arco
do forasteiro lhe tinha ferido a pele; ao olhar para o meio-irmão, Saban
percebeu a razão por que o
forasteiro usava a fita de pedra no braço. Lengar executou uns passos,
celebrando a morte, mas
estava nervoso. Não tinha a certeza se o homem estava realmente morto, pois
aproximou-se do
corpo com todo o cuidado, tocando-lhe com a extremidade de osso do arco,
preparado para saltar
para trás, se o corpo voltasse à vida e se atirasse a ele, mas o forasteiro não
se mexeu.
Lengar aproximou-se de novo para arrancar a bolsa da mão do forasteiro já morto,
afastando-a do
corpo. Olhou por uns momentos o rosto acinzentado do cadáver e depois, confiante
de que o
espírito do homem tinha de facto partido, arrancou o cordão que atava a bolsa.
Espreitou para
dentro dela, ficou imóvel um instante e depois gritou de alegria. Tinham-lhe
dado o poder.
Saban, aterrorizado pelo grito do irmão, recuou, mas em seguida avançou de novo,
enquanto Lengar
esvaziava o conteúdo da bolsa na relva, junto à caveira esbranquiçada do boi.
Para Saban, parecia
que um raio de sol se tinha escapado dela.
Havia dezenas de pequenos ornamentos de ouro, em forma de losango, cada um deles
do tamanho
da unha de um polegar e quatro placas grandes, também com a forma de losangos,
com as
dimensões de uma mão. Os losangos, grandes e pequenos, tinham pequenos orifícios
feitos nos
vértices, de modo a poderem ser metidos num tendão ou cosidos numa peça de
vestuário; todos eles
eram feitos de folhas de ouro muito finas, com linhas rectas gravadas, embora o
padrão nada
significasse para Lengar que arrancou a Saban um dos mais pequenos, que este se
atrevera a
apanhar da relva. Lengar juntou-os todos, grandes e pequenos, num monte.
Sabes o que é isto? perguntou ao irmão mais novo, apontando para lá.
Ouro respondeu Saban.
Poder corrigiu Lengar. Olhou para o morto. Sabes o que se pode fazer com ouro?
Usá-lo na roupa? sugeriu Saban.
Imbecil! Podem comprar-se homens. Lengar recuou. As sombras das nuvens eram
agora muito
escuras e as aveleiras agitavam-se ao sabor do vento fresco. Compram-se
lanceiros continuou.
Compram-se archeiros e guerreiros! Compra-se poder!
Saban apanhou um dos pequenos losangos, depois afastou-se do caminho, quando
Lengar tentou
recuperá-lo. O rapaz recuou através da pequena clareira e, quando lhe pareceu
que Lengar não o
perseguiria, acocorou-se e espreitou o bocadinho de ouro. Parecia uma coisa
estranha para comprar
poder. Saban conseguia imaginar os homens a trabalhar por comida, por vasos de
barro, por sílex,
por escravos ou por bronze, que poderia ser transformado em facas, machados,
espadas e punhos de
lanças, mas por este metal brilhante? Não podia cortar, existia simplesmente,
porém, mesmo
naquele dia nublado, Saban podia ver que o metal cintilava, cintilava como se um
bocado de sol
estivesse preso dentro dele; estremeceu de súbito, não por estar nu, mas porque
nunca antes havia
tocado em ouro, nunca tivera na mão uma raspa do Sol todo-poderoso.
Temos de o levar ao pai disse em tom reverente.
Para que esse velho tolo o acrescente ao seu tesouro? perguntou Lengar em tom de
desprezo.
Voltou ao corpo e dobrou a capa por cima das hastes das flechas, vendo que as
calças do morto
estavam presas por um cinto com uma fivela de ouro maciço, enquanto tinha mais
losangos
pequenos ao pescoço pendurados num tendão.
Lengar olhou para o irmão mais novo, lambeu os beiços e pegou numa das flechas
que caíra das
mãos do forasteiro.
Segurava ainda o seu arco comprido, colocando na corda a flecha de penas pretas
e brancas. Olhava
para as aveleiras, evitando deliberadamente o olhar do meio-irmão, mas Saban
percebeu
imediatamente o que passava pela cabeça de Lengar. Se Saban sobrevivesse para
contar ao pai
acerca deste tesouro do Povo da Fronteira, então Lengar perdê-lo-ia, ou pelo
menos teria de lutar
por ele; mas se Saban fosse descoberto morto, tendo nas costelas uma flecha de
penas pretas e
brancas, pertencente ao Povo da Fronteira, ninguém suspeitaria que Lengar fosse
o autor da morte,
nem que este se tinha apropriado de um enorme tesouro em seu proveito. Os
trovões ribombavam a
ocidente e o vento frio achatava o cimo das aveleiras. Lengar esticava o arco,
embora não olhasse
para Saban.
Olha para isto! exclamou subitamente Saban, segurando no pequeno losango. Olha!
Lengar aliviou a pressão da corda enquanto espreitava e nesse mesmo instante, o
rapaz partiu como
se fosse uma lebre saltando das ervas. Correu através das aveleiras e pela
vereda larga da entrada do
Velho Templo pelo lado do Sol. Havia aí mais postes apodrecidos, tais como os,
que rodeavam a
casa dos mortos. Teve de se desviar para ultrapassar os tocos e, enquanto girava
por entre eles, a
flecha de Lengar passou-lhe junto à orelha.
Um trovão rasgou os céus e a chuva começou a cair. As gotas eram enormes. Um
raio cintilou pela
outra encosta. Saban correu, dando voltas e curvas, sem se atrever a olhar para
trás, para ver se
Lengar o perseguia. A chuva caía cada vez mais forte, enchendo o ar com o seu
malévolo rugido,
mas servindo de biombo para o esconder enquanto corria para norte e depois para
oriente, em
direcção à aldeia. Gritava enquanto corria, esperando que os donos dos rebanhos
pudessem estar
ainda nas pastagens, porém não viu ninguém até ter passado os túmulos no cimo da
colina,
atravessando o atalho lamacento entre os pequenos campos de trigo que eram
açoitados pela chuva
torrencial.
Galeth, tio de Saban e mais cinco homens, regressavam à aldeia quando ouviram os
gritos do rapaz.
Voltaram-se na direcção da colina, enquanto Saban corria à chuva agarrando-se ao
gibão de pele de
veado do tio.
Que se passa, rapaz? perguntou Galeth. Saban agarrou-se ao tio.
Tentou matar-me! exclamou ofegante. Tentou matar-me!
Quem? perguntou Galeth. Era o irmão mais novo do pai de Saban, alto, de barba
cerrada e famoso
pelos seus feitos de força. Dizia-se que Galeth
uma vez tinha erguido sozinho um poste do templo, que não era dos mais pequenos,
mas sim um
enorme tronco cortado, que sobressaía por cima dos outros postes. Tal como os
companheiros,
Galeth transportava um enorme machado de lâmina de bronze, pois estavam a
derrubar árvores
quando a tempestade chegara. Quem tentou matar-te? perguntou Galeth.
Foi ele! gritou Saban, apontando para a colina onde Lengar acabara de aparecer
com o arco na mão
e uma nova flecha metida na corda.
Lengar parou. Nada disse, limitando-se a olhar para o grupo de homens que agora
abrigava o seu
meio-irmão. Retirou a flecha da corda. Galeth olhou o sobrinho mais velho.
Tentaste matar o teu próprio irmão? Lengar riu-se.
Eu não. Foi um Fronteiriço.
Desceu lentamente a colina. Tinha o longo cabelo negro molhado da chuva, muito
liso e colado à
cabeça, dando-lhe um ar assustador.
Um Fronteiriço? perguntou Galeth, cuspindo para afastar o azar. Havia muita
gente em Ratharryn
que achava que Galeth e não Lengar deveria ser o próximo chefe, mas a rivalidade
entre tio e
sobrinho empalidecia diante da ameaça de um ataque do Povo da Fronteira. Há
Fronteiriços na
pastagem? perguntou Galeth.
Só aquele disse Lengar em tom descuidado. Meteu a seta do Fronteiriço dentro da
bolsa. Só aquele
repetiu. Agora está morto.
Então estás a salvo, rapaz disse Galeth a Saban. Estás a salvo.
Ele tentou matar-me insistiu Saban. Foi por causa do ouro! Mostrou o losango
como prova.
摘要:

Stonehenge[BernardCornwell]STONEHENGE4aEDIÇÃOPLANETAEDITORATítulooriginal:Stonehenge©1999,byBernardCornwell©IlustraçõesbyRexRichollsAilustraçãodolosangoutilizadanacapaenoiníciodecadacapítulo,éumareproduçãofieldeumdostrêslosangosdeouroencontradosnasescavaçõesdeBushBarrow,Wiltshire,numdostúmulosencont...

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